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Definindo a ‘esquerda’ e a ‘direita’

Plinio Corrêa de Oliveira

As palavras “direita” e esquerda” são usadas atualmente para descrever posições assumidas sobre temas variados. A sua utilização relaciona-se habitualmente com questões políticas, sociais ou econômicas, literatura e artes, mas também com modos de sentir ou de ser. Os termos têm significados tão diversos que muitos observadores afirmam ter perdido qualquer valor para classificar posições ideológicas, culturais ou morais.

Independentemente do talento, cultura e notoriedade de quem tem essa opinião, “direita” e “esquerda” continuam sendo termos comumente usados e indispensáveis para os analistas ideológicos.

Esse fato parece demonstrar que há algo substancial e autenticamente expressivo no próprio âmago desses termos. Portanto, eles não podem ser tão simplesmente desconsiderados, pelo menos não até que o uso comum consagre outras palavras para substituí-los.

Esse fato parece demonstrar que há algo substancial e autenticamente expressivo no próprio âmago desses termos. Portanto, eles não podem ser tão simplesmente desconsiderados, pelo menos não até que o uso comum consagre outras palavras para substituí-los.

Proponho fazer aqui uma breve análise desse “algo substancial” para verificar com meus leitores se o meu sentimento sobre esses termos corresponde ao deles, bem como ao do público em geral.

Começo observando que nem tudo é impreciso no significado dessas duas palavras. Há uma zona livre que pode ser definida. Então, depois de mostrar isso, podemos detectar o fio condutor que nos conduzirá, passo a passo, pelos significados mais ambíguos até um esclarecimento final do que se entende por “direita” e “esquerda.”

Esquerda: aceitação radical dos ideais da Revolução Francesa

A zona livre está na palavra “esquerda.” Basta pensar na trilogia da Revolução Francesa: liberdade, igualdade e fraternidade. Até hoje, o consenso geral descreve o esquerdista perfeito como aquele que defende não qualquer liberdade, igualdade e fraternidade, mas uma liberdade total, uma igualdade completa e uma fraternidade quase universal.

A posição de Marat, o extremo do radicalismo da Revolução Francesa, representa toda a esquerdaEm suma, ele seria um anarquista no sentido etimológico e radical da palavra (do grego an – sem – e arche – governo), com ou sem a conotação de violência ou terrorismo.

Os esquerdistas moderados consideram o sonho do esquerdista radical como utópico (é “infelizmente utópico,” dizem). Nenhum deles negaria, porém, toda a autenticidade esquerdista dessa utopia. Se este é o pólo do esquerdismo absoluto, então é fácil discernir como – na escala esquerdista – um programa ou método pode ser descrito como sendo mais ou menos esquerdista. Sua classificação deriva de sua distância desse anarquismo total.

Por exemplo, quanto mais um socialista é de esquerda, mais ampla e operacional é a igualdade que ele exige. Aquele que exige total igualdade será totalmente esquerdista.

Idêntica avaliação pode ser feita sobre outro “valor” da trilogia de 1789. Refiro-me especialmente ao liberalismo político. Quanto mais uma pessoa clama por liberdade total, mais esquerdista ela é.

Claro, existem certas contradições entre Socialismo e Liberalismo que levam a objeções ao que acabo de afirmar. Uma dessas objeções é que o totalitarismo econômico pode facilmente destruir a liberdade política e vice-versa. Mas essa contradição existe apenas nos estágios intermediários antes que o anarquismo total seja alcançado. Nem o Socialismo nem o Liberalismo representam o anarquismo total, embora ambos possam preparar o caminho para isso. Pois pode-se alcançar o anarquismo total através da liberdade absoluta ou, mais frequentemente, através da igualdade absoluta.

A liberdade absoluta é mais prontamente adotada por aqueles que são menos ou têm menos contra aqueles que são mais ou têm mais. A igualdade completa, por sua vez, resulta na negação de toda autoridade e, portanto, de toda lei. Esses dois caminhos que parecem tão diferentes não são caminhos paralelos que correm infinitamente sem nunca se tocar. Por mais contraditórias que possam parecer aos moderados de hoje, elas convergem para um ponto anárquico final, onde uma se encontra e completa a outra.

Assim, de acordo com o consenso geral, o esquerdismo tem um objetivo bem definido e uma escala de “valores.”

A verdadeira direita defende desigualdades proporcionais e harmônicas.

A questão então se volta para saber se a “direita” também tem um objetivo e valores bem definidos.

Aqui há uma confusão inegável. Precisamos encontrar um fio condutor – como o que encontramos na esquerda – que nos leve passo a passo na classificação das nuances sutis do direitismo.

As palavras “direita” e “esquerda” surgiram no vocabulário político, social e econômico da Europa do século 19. O esquerdismo foi uma participação ideológica no pensamento e na obra de algo ainda novo e bastante definido em suas linhas gerais, ou seja, a Revolução Francesa. A esquerda não foi apenas a negação vulcânica de uma tradição que parecia morta, mas também a afirmação de um futuro incontornável. Diante dessa revolução devastadora, a direita só gradualmente veio a se definir – de forma indecisa e contraditória ((cf. Michel Denis, Les Royalistes de la Mayenne et le Monde Moderne, Publications de l’Université de Haute-Bretagne, 1977)).

O que, em todo o rigor da lógica, seria a direita, se fosse definida como antiesquerda e a fortiori como anti-anarquista?

Como já observei, o anarquismo total afirma que toda e qualquer desigualdade é injusta. Assim, quanto menor a desigualdade, menor a injustiça. A liberdade é cara ao anarquismo precisamente porque a autoridade é em si uma negação da igualdade.

Por outro lado, o direitismo afirma que a desigualdade em si não é injusta. Ao contrário, num universo onde Deus criou todos os seres desiguais, especialmente os homens, a injustiça estaria impondo uma ordem de coisas contrária àquela que Deus, pela razão suprema, tornou desigual ((cf. Mt. 25:14-30; 1 Cor. 12: 28-31)) ((S. Tomás de Aquino, Summa contra gentiles, Livro III, cap. 57)).

Assim, a justiça reside na desigualdade.

De passagem, deixe-me observar que desta verdade básica não se pode deduzir que quanto maior a desigualdade, mais perfeita a justiça. Para o esquerdismo, a afirmação antitética é lógica (por exemplo, quanto maior a desigualdade, maior a injustiça). Há, no entanto, uma diferença flagrante entre as perspectivas de esquerda e de direita.

O direitista sabe que as desigualdades que Deus criou não são apavorantes e monstruosas, mas proporcionais à natureza, ao bem-estar e ao progresso de cada ser, bem como adequadas ao ordenamento geral do universo. Esta é a desigualdade cristã.

Considerações semelhantes poderiam ser feitas sobre a liberdade no universo e na sociedade.

É importante entender que o padrão do direitismo não é uma desigualdade absoluta, simetricamente oposta à igualdade absoluta. É uma desigualdade harmônica. Quanto mais uma doutrina se opuser à trilogia de 1789 e se aproximar desse padrão de desigualdades harmônicas e proporcionais, mais direitista ela será.

Aqueles pensadores ou homens de ação que se levantaram nos séculos 19 e 20 contra a Revolução foram chamados de direitistas apenas por isso. Mas eles nem sempre entendem essa importante regra do direitismo. Eles – ou aqueles que os estudaram – imaginaram por vezes que o rótulo de direitismo poderia justificar desigualdades abissais (políticas, sociais e principalmente econômicas), como se a posição de extrema-direita coerentemente fosse essa.

Falsa direita e verdadeira direita

Outros “direitistas” fizeram concessões ao espírito igualitário porque eles próprios foram contagiados pelos princípios revolucionários que combatiam. Ou fizeram concessões por motivos táticos para proteger seu poder ou ganhá-lo. Vemos isso no caráter socialista oficial do fascismo e na natureza não oficial, mas evidente, do nazismo.

Por essas razões, o termo “direita” era muito menos definido do que “esquerda” na linguagem corrente. Passou a designar não apenas o verdadeiro direitismo de inspiração sacra, hierárquica e harmônica católica, mas também “direitismos” modelados em parte por algumas tradições cristãs e em parte por alguns princípios (e experiências) ideológicas atípicas.

O que me parece certo é que, embora certas correntes ditas direitistas tenham tido notas socialistas, a linguagem corrente, no entanto, só as chama de direitistas porque supõe que elas têm uma afinidade maior ou menor com o ideal de direitismo cristão que descrevi acima. Esse ideal, por meio de uma tradição secular, penetrou na consciência e no subconsciente de todos.

Em resumo, há marcas definidoras tanto para a direita quanto para a esquerda, e toda uma gama de estágios intermediários matizados procede delas.

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