A revista Carta Capital, publicou algum tempo atrás matéria sobre as visitas ao Museu do Ipiranga em dias históricos. É muito interessante o artigo, por isso o publicamos aqui. O Ipiranga é um dos mais visitados museus da América Latina, administrado pela USP. O museu, não apenas guarda lembranças da época da Monarquia, mas também da República. Da Monarquia ficaram lindos móveis, belos tapetes, objetos científicos e culturais. O arquivo destaca uma coisa interessante, o que da República temos para ver nesse Museu: Uma placa na entrada da sala destaca “Acervo cedido pela Justiça Federal (…) relativo a processo pela prática de crimes contra o sistema financeiro e lavagem de dinheiro”.
Boa leitura a todos.Edição 420
O brado. O pendão
por Ana Paula SousaO dia da Proclamação da República lota o Museu do Ipiranga
O quadro Independência ou Morte causa confusão: “Esse aqui não tem nada a ver com o feriado, né?” DÚVIDA
O segurança diz que 7 de Setembro e 15 de Novembro são os dias de glória do palácio SALVE, SALVE!O quadro mais ilustre do museu do Ipiranga, em São Paulo, é uma celebração do 7 de Setembro. Mas, em Dia da Proclamação da República, o óleo Independência ou Morte, monarquicamente pintado por Pedro Américo, em 1888, induz a erro:
– Esse aqui não tem nada a ver com o feriado, né?, sussurra para o namorado a mocinha de minissaia e botas.
– Não, acho que não, responde ele, o cenho franzido pela dúvida.
Bom, mas sem o grito da independência, que ouviram do Ipiranga as margens plácidas, República também não haveria. Logo, não há qualquer despropósito na afluência ao Museu Paulista da USP (é esse o seu nome correto) no 15 de novembro de céu rajado de sol. O segurança Joselito Soares, 17 anos de “casa”, é craque na medição dos ânimos patrióticos:
– Veja bem, as pessoas gostam muito de vir aqui no 7 de Setembro e no 15 de Novembro. Hoje, eu ainda não sei quanto vai dar, mas, no último 7 de Setembro, deu mais de 25 mil pessoas. Esse aqui é o museu mais visitado da América Latina e o público gosta de vir aqui em dias históricos.
De tão patriótico o espírito dos visitantes, ganha aparência de jogo da Copa a quarta-feira 15 no belo palácio de feitio renascentista e jardins viçosos. Pelos corredores, a repetição de camisetas em verde-e-amarelo indica que o dia de visita não foi escolhido aleatoriamente. Postados à entrada do museu, Martin Afonso de Souza e o índio Tibiriçá, fossem ainda homens e não pinturas, sentiriam orgulho dos descendentes.
O gerente-financeiro Rogério Oxisque, acompanhado da esposa, a operadora de telemarketing Evelyn, e das duas filhinhas, não incorreu no lugar-comum. Em vez do verde-e-amarelo usado pelo resto da família, optou pelo azul-e-branco. Juntos, eram a bandeira nacional – ou o pendão, como poetaria Olavo Bilac, letrista dos hinos da República e da Bandeira.
– A gente quer passar para as meninas a história do nosso país. E está tudo aqui, aposta Evelyn.
– Com certeza. A gente vê que todos os nossos costumes vieram de Portugal, atalha o marido.
A tentativa de descobrir detalhes da história do Brasil, revisitada em banheiras de mármore, “cadeirinhas e liteiras”, insígnias, brasões, “pratos, elixires e urinóis do século XIX” e nos panoramas e retratos pintados, é o que move boa parte dos visitantes. Atualmente bem cuidado, o museu é de fato tocante. E a boa notícia é que, aos poucos, parece estar se desvencilhando das versões de carochinha da história oficial.
Um exemplo da organização mais crítica pode ser colhido nos comentários relativos ao quadro Independência ou Morte, definido, numa placa explicativa, como obra que divulga “uma interpretação sobre a história brasileira, produzida nos fins do século XIX, e identificada com a celebração da monarquia”. A ação imortalizada no quadro épico de Pedro Américo pode não ter sido bem daquele jeito. Mas do “brado” de dom Pedro ninguém tirará a aura de hit. Deleitando-se com a própria consciência cívica, a mãe testa os conhecimentos do pimpolho de 6 ou 7 anos:
– Ele gritou o quê? Independência ou…
O menino impacienta-se:
– Ai, mãe!
Há também quem tenha ido ao museu atrás de outras coisas que não a história. Os chineses de Hu-Pei, em excursão pela América Latina, queriam um museu para suas câmeras digitais. Conseguiram. Já as meninas do colégio ETE Rocha queriam entrevistados para uma reportagem estudantil sobre classicismo, “a escola literária portuguesa da época de Camões”, como elas próprias se encarregam de explicar.
– A gente estava pensando num lugar para ir e achamos aqui um bom lugar. Ah! Quem freqüenta museu deve saber o que é classicismo, aposta Ariane Albertini, de 16 anos.
Enquanto as meninas preparam o vídeo, todas serelepes, um grupo também de jovens diverte-se com as poses que o belo cenário inspira. Eles vieram de Tapiratiba, cidade a 350 quilômetros da capital. Moram tão perto de Minas Gerais que misturam os erres característicos do interior paulista com o som arredondado da língua do “uai”. Saíram de casa às 5 da manhã. Do museu, partiriam para o shopping e, feitas umas comprinhas, voltariam para casa. Estavam todos encantados com a pompa da construção.
– O que eu mais gostei mesmo foi da escadaria de mármore, com os tapetes vermelhos, diz Daiana Pereira, de 17 anos.
– Ah, eu achei o máximo a maquete, completa a amiga Bruna Françoso, de 18.
Trata-se da maquete em gesso do arquiteto Bezzi, que, de tão elaborada, levou quase o mesmo tempo que o edifício para ficar pronta. Concorrendo com a maquete no quesito “sucesso”, estão as grandes bolas de vidro preenchidas com água, representativas dos rios do País. Amazonas, Parnahyba, Jaguaribe, Rio Negro. Tudo escrito em letras de bronze. Mas, ao mesmo tempo que atrai, o antigo também assusta.
– Que fedor!, diz o menino na sala dos velhos sofás e cadeiras.
– É cheiro de morto, conclui a irmã.
– É cheiro de madeira, afirma, repreensiva, a mãe.
O pai, José de Almeida, pastor evangélico residente no bairro de Sapopemba, zona leste da cidade, não dá trela para a parolagem familiar. Prefere refletir:
– Olhando isso aqui a gente pensa no ser humano. Você vê como tudo acaba. Tanto poder, tanta fama, pra acabar tudo isso. Ficam as cadeiras.
Se, da monarquia, ficaram as cadeiras, da república ficou um outro acervo. Na sala do piso térreo, à direita da escadaria de mármore, uma exposição chamada Acervos para Descobrir trata da história contemporânea.
A placa, à entrada, explica: “Acervo cedido pela Justiça Federal (…) relativo a processo pela prática de crimes contra o sistema financeiro e lavagem de dinheiro”.
Acondicionadas na sala, estão as relíquias compradas pelo ex-banqueiro Edemar Cid Ferreira, que faliu o Banco Santos e teve as obras de arte que colecionava apreendidas pela Justiça. Um exercício de caligrafia de dom Pedro II, um comprovante de pagamento de “imposto sobre escravo” e uma carta “patente de confirmação” de dom João VI estão entre os itens que o banqueiro perdeu. São as trapaças republicanas contribuindo para o palácio que os monarcas um dia ergueram.
Um grupo de amigos reunidos para divulgar, difundir, apoiar, os esforços de todos os brasileiros para restaurar a forma monárquica de governo.