Como faz todo final de ano, Herdeiros do Porvir entrevista um membro da Família Imperial Brasileira para melhor conhecimento dos leitores. Desta vez a escolhida foi a Princesa D. Christine, nascida de Ligne, esposa de D. Antônio de Orleans e Bragança (terceiro na linha de sucessão ao trono brasileiro), com quem teve quatro filhos. Nascida na Bélgica em 11 de agosto de 1955, adaptou-se completamente aos costumes e à cultura brasileiros, falando um português perfeito e sem nenhum sotaque.
Herdeiros do Porvir: – Muitos de nossos leitores gostariam de saber o nome completo de Vossa Alteza e se cada sobrenome tem algum significado, como os da Família Imperial brasileira.
Princesa D. Christine de Liene de Orleans e Bragança: Meu nome completo é Christine Marie Elisabeth de Ligue de Orleans e Bragança. Christine, meu primeiro nome, significa cristã; Marie é para homenagear Nossa Senhora; Elisabeth era o nome da minha madrinha, a Duquesa de Hohenberg, nascida Princesa de Luxemburgo, irmã de minha mãe; Ligne é a minha família paterna e Orleans e Bragança é a Família Imperial do Brasil, na qual entrei pelo meu casamento.
HP: Onde V.A. nasceu e passou a infância e adolescência?
Princesa: Nasci no Castelo de Beloeil, situado na pequena cidade de mesmo nome, distante uma hora de Bruxelas, Bélgica. Foi onde passei minha infância e adolescência. O castelo pertence à família Ligue até hoje.
HP: Quais são as origens de sua família?
Princesa: Os primeiros documentos sobre minha família paterna remontam a 1030. Há mais de 700 anos Beloeil faz parte da família, ou seja, desde o século XIV. Na passagem do século XVI para o século XVII um antepassado meu, Lamoral de Ligue, recebeu do Imperador Rodolfo II o título hereditário de Príncipe do Santo Império. Pelo lado materno, descendo dos Grão-Duques de Luxemburgo, da Casa de Nassau-Orange, dos Bourbon-Parma e, também, vou entroncar na Casa Real Portuguesa, pois minha avó era neta do Rei D. Miguel, de Portugal, irmão do Imperador D. Pedro I. Meu marido e eu somos, pois, primos em 8° grau, já que ambos descendemos de dois irmãos, filhos do Rei D. João VI.
HP: O que pode nos dizer sobre a história do Castelo de Beloeil, pertencente a sua família, na Bélgica?
Princesa: A história do Castelo de Beloeil é longa, mas digo resumidamente que está situado na província de Hainaut. Era uma construção retangular fortificada com um fosso em volta e tinha quatro torres redondas em cada canto. Esta estrutura está conservada, com fachadas e interiores bastante alterados no decorrer dos séculos. Em 1900 um incêndio o atingiu. Entretanto, a maior parte da mobília, a biblioteca, que contém mais de vinte mil preciosos volumes, e a coleção de obras de arte foram salvas. Reconstruído nos anos seguintes, lembra hoje o Palácio de Versalhes. O jardim que o circunda, projetado em 1664, é barroco. Atualmente, durante uma semana da primavera, o castelo abre seus portões ao público para um show floral: são aproximadamente duas mil amaryllis e seiscentas orquídeas exibidas em arranjos nos vários cômodos do castelo.
HP: Todo brasileiro tem uma visão mítica da vida em castelo. Como foi a sua?
Princesa: Ninguém escolhe o lugar onde nasce, mas tive a felicidade de crescer num ambiente maravilhoso e com um passado histórico grandioso e muitas tradições. Porém, em relação a nosso cotidiano, meus pais sempre fizeram questão de nos dar uma educação austera. Ou seja, não levamos uma vida hollywoodiana, como mostram filmes americanos, mas com deveres e obrigações, imitando sempre o exemplo de meus pais e avós. Sempre fomos educados com a ideia de que príncipes e princesas têm obrigações morais muito sérias e devem dar bom exemplo a todas as classes da sociedade.
HP: Qual a formação escolar de V.A.? O que mais a marcou neste período?
Princesa: Meus primeiros anos de escola primária foram na própria cidade de Beloeil, no Colégio das Irmãs de São Vicente de Paula. Depois, passei os últimos sete anos de ensino fundamental, interna, no pensionato em Tournai (Bélgica), das Irmãs Dominicanas. Os dois últimos anos para preparação ao baccalauréat foram no Colégio da Assunção, em Paris. Em seguida, fui concluir meus estudos no Instituto Superior de Tradutores e Intérpretes (ISTI), de Bruxelas.
HP: Sabemos que a Princesa trabalhou com crianças deficientes. Poderia nos contar quando e como isso se deu?
Princesa: Sempre gostei de cuidar de crianças necessitadas. Fiz curso especializado no assunto e entrei no Instituto de Crianças Excepcionais. Foi um aprendizado magnífico, pois são meninos e meninas maravilhosas, que não apenas precisam de nós, mas muito têm também a nos ensinar.
HP: V. A. realiza no momento trabalhos humanitários? Gostaria de exercer algum?
Princesa: Gostaria muito de continuar tendo contato com a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) e outras entidades do gênero. Sinto-me bem nesse trabalho voluntário.
HP: Vê alguma semelhança entre nosso povo e o belga?
Princesa: O povo brasileiro é acolhedor e caloroso, como o belga, que também está sempre disposto a receber e ajudar os outros.
HP: Quando conheceu seu esposo, o príncipe D. Antônio de Orleans e Bragança, e em que
circunstância?
Princesa: Conhecemo-nos em vários eventos familiares na Europa, pois temos parentesco. A minha primeira vinda ao Brasil — quando vim assistir ao casamento de meu irmão, o príncipe Michel de Ligne, com a princesa Eleonora de Orleans e Bragança, irmã de Antônio — só consolidou sentimentos já existentes entre nós dois.
HP: Onde se realizou o casamento e quais os principais convidados?
Princesa: O casamento se realizou no Castelo de Beloeil, no dia 26 de setembro de 1981, com a presença de familiares de ambas as partes: os Orleans e Bragança do Brasil, os Orleans da França, os Wittelsbach, da Família Real da Baviera, os Príncipes de Liechtenstein, amigos queridos do Brasil, membros da família Ligne, Habsburgos, membros da família de Luxemburgo, parentes espanhóis, belgas, franceses, dinamarqueses, entre outros.
HP: Que impressão teve do Brasil quando aqui chegou pela primeira vez?
Princesa: Fiquei maravilhada com a beleza da cidade do Rio de Janeiro. A recepção calorosa da família de D. Antônio foi inesquecível e este apreço se mantem até hoje.
HP: Em que cidades morou no Brasil e onde vive atualmente?
Princesa: Moramos 25 anos em Petrópolis, para proporcionar aos filhos uma vida mais saudável, mais próxima à natureza. Além disso, é uma cidade histórica, muito significativa para a Família Imperial do Brasil. Foram anos de plena felicidade. Atualmente residimos no Rio, pois, com a vinda dos filhos para cá para concluir os estudos, preferimos estar mais próximos deles.
HP: Quais são seus pendores e gostos?
Princesa: A cidade do Rio nos oferece inúmeros programas culturais, como exposições, espetáculos, artes em geral, conferências, palestras, o que sempre fez parte de meus interesses, assim como a música, pois participei de corais quando jovem, e até hoje fico maravilhada com a qualidade dos vários coros brasileiros.
HP: O que acha da culinária brasileira? Tem alguma preferência?
Princesa: Sempre admirei a culinária brasileira por empregar especiarias, aromas e sabores que até então desconhecia. Viajando pelo Brasil pude degustar inúmeros pratos típicos, principalmente com peixes, que são meus preferidos. As feiras de rua me encantam pela quantidade abundante e variada de frutas, legumes, temperos e flores.
HP: Sabemos que atuou bastante, em companhia de D. Antonio, durante a campanha para o Plebiscito de 1993, inclusive viajando por várias regiões do Brasil. Poderia dizer algo a respeito da diversidade de nosso povo?
Princesa: Em 1993, na época do plebiscito, tive a chance de visitar muitas cidades brasileiras: Belém, Santarém, Fortaleza, Natal, São Cristóvão, Laranjeiras, Brasília, Belo Horizonte, Barbacena, Curitiba, Joinville… Pequenas ou grandes, todas essas cidades me proporcionaram belíssimas surpresas. Cada região, com suas particularidades, clima, atividade regional, artística, artesanato, igrejas, capelas e, sobretudo, pessoas que sempre nos acolheram calorosamente. Em cada cidade ou aldeia, eram organizados eventos e conferências proferidas por meu marido, que tinham como objetivo resgatar a tão bonita história da Família Imperial brasileira, um tanto esquecida.
HP: O que V.A. acha que uma restauração monárquica poderia melhorar a vida dos brasileiros?
Princesa: Principalmente resgatando os valores familiares e cristãos, valores que infelizmente estão um tanto ausentes em muitos lares.
HP: Como educou seus quatro filhos, na eventualidade de assumirem o trono brasileiro?
Princesa: Sempre os preparamos para servir, assim como fez D. Pedro II. Quando a Princesa Isabel perguntou a seu pai “Então, este povo me pertence?”, o Imperador D. Pedro II respondeu: “Não, minha filha, você é que pertence a este povo”. Meus filhos foram educados aprendendo a respeitar o próximo, a tratar a todos como gostariam de ser tratados, sempre com muita sensibilidade e compreensão.
HP: Ninguém melhor do que uma mãe para conhecer seus filhos. Poderia nos falar sobre a
personalidade deles?
Princesa: Desde o dia em que me tornei mãe pela primeira vez, peço todos os dias a Nossa Senhora, Mãe divina e intercessora, para que eu cumpra minha missão como mãe. Cada filho tem seu temperamento e personalidade. Tento me adaptar ao jeito de cada um para transmitir os princípios e ensinamentos tão importantes à educação de cada um. O que prevalece nessa educação é principalmente o amor incondicional que temos por eles, já que lhes desejamos o bem e a santidade, com o auxílio de Deus.
HP: Que mensagem gostaria de deixar para os leitores de Herdeiros do Porvir?
Princesa: Primeiramente, um grande agradecimento a nossos amigos monarquistas, que sempre apoiaram a Família Imperial. Contem sempre também com nossa simpatia e estima, pois D. Antônio, eu e meus filhos temos esperança em nosso querido Brasil. Devemos orgulhar-nos desta corajosa e batalhadora Nação que, apesar de imensas dificuldades, continua de cabeça erguida, sabendo que estamos sempre guiados pela Santíssima Trindade, que nunca nos abandonará.