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Entrevista de Dom Luiz para a Folha em Março de 2008

Príncipe imperial vive “sem luxo nem esplendor” em casa alugada em SP
REGIANE SOARES da Folha Online
Dom Luiz disse que a República trouxe perecimento da moralidade política
Há 200 anos a família real portuguesa chegou ao Brasil sem saber o que ia encontrar na colônia e muito menos qual seria o futuro da dinastia Bragança. Hoje, a monarquia cedeu espaço para a república e o herdeiro dinástico da família imperial vive à sombra do regime presidencialista na expectativa de um dia governar o país. Em entrevista à Folha Online, dom Luiz de Orleans e Bragança, 69, contou como é viver em São Paulo sem as regalias usufruídas por dom João 6º e Carlota Joaquina no século 19.Chefe da Casa Imperial Brasileira e herdeiro dinástico, dom Luiz diz que vive “sem luxo nem esplendor”. Ele nasceu na França, estudou química mas nunca exerceu a profissão. Mora com um de seus irmãos, dom Bertrand de Orleans e Bragança, em uma casa alugada em Higienópolis, bairro nobre da capital paulista. Apesar de bem localizado e grande, o imóvel é um sobrado simples e que requer reparos na pintura e no jardim. A decoração da casa também é simples e não tem nenhum móvel da época da monarquia. Apenas as fotografias ou pinturas de seus pais, avós e bisavós, em especial da princesa Isabel, indicam que naquele lugar vive um nobre.Apoiado em uma bengala e vestido com um terno cinza com risca de giz, dom Luiz recebeu a reportagem na sala de visitas da Casa Imperial do Brasil onde um grande brasão imperial contrasta com uma imagem de nossa senhora de Fátima. Católico praticante, o príncipe disse que divide seu tempo entre orações e o trabalho como representante da família imperial brasileira. Afirmou que não recebe nenhum recurso do governo brasileiro e vive de doações de monarquistas em melhores condições financeiras.

Durante a entrevista, de quase duas horas, dom Luiz se empolgou ao falar sobre a crise na política nacional e riu ao comentar a questão dos cartões de crédito corporativo do governo federal. “A República trouxe consigo um perecimento da moralidade pública e política e nós chegamos ao auge hoje em dia”, disse o príncipe, que defende a monarquia como forma de solucionar parte dos problemas na política brasileira.

Quando o assunto é a disputa da família imperial pela herança dinástica –herdeiros do primeiro filho da princesa Isabel, dom Pedro de Alcântara Orleans e Bragança, que abdicou da dinastia ao se casar, reivindicam o trono inexistente no Brasil–, dom Luiz prefere não se aprofundar no assunto e limita-se a dizer que é reconhecido internacionalmente como herdeiro dinástico.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista com dom Luiz de Orleans e Bragança.

Folha Online – Como é viver hoje como herdeiro dinástico 200 anos após a chegada da família real ao Brasil?
Dom Luiz de Orleans e Bragança – Vivemos sem luxo nem esplendor. Vivemos com os recursos que nós temos, que não são muito grandes. Alguns [dos herdeiros] têm empregos, outros vivem –como meu irmão d. Bertrand e eu– de auxílio de monarquistas que nos ajudam a tocar a vida mas sem nenhum luxo –como você pode ver essa casa não é um palacete, é uma casa média. Vivemos procurando tanto quanto possível lutar pelos interesses do Brasil, no campo ideológico e civil.

Folha Online – E o governo brasileiro, dá alguma ajuda financeira aos herdeiros da família real?
Dom Luiz – Não, o governo não dá nada.

Folha Online – E de onde vêm os recursos?
Dom Luiz – São recursos particulares de pessoas que tem uma certa folga e nos ajudam. São monarquistas brasileiros.

Folha Online – Então o senhor não recebe o laudêmio –taxa de 2,5% cobrada sobre qualquer transação imobiliária no centro histórico de Petrópolis que vai para a família imperial?
Dom Luiz – Não, não recebo nada. Houve uma divisão nos anos 40 e o ramo da família de Petrópolis ficou com o laudêmio. E o ramo dinástico –o que herda a Coroa se for restaurada a monarquia– não ficou com nada.

Folha Online – E quem fez esse acordo? Foi o chefe da Casa Imperial da época?
Dom Luiz – Foi uma questão complicada. Eu não gostaria de entrar nesse campo no momento.

Folha Online – É difícil carregar um nome não só longo mas com tanto significado em uma república como o Brasil e em um mundo globalizado?
Dom Luiz – De um lado é difícil, de outro a gente nasceu e foi criado para isso. Agora, traz uma responsabilidade muito grande. As pessoas olham para nós como quem deveria ser exemplos e nós devemos manter uma linha, uma dignidade, uma compostura para evitar toda e qualquer coisa que possa desabonar esse nome.

Folha Online – E como é seu cotidiano? Como é a vida do príncipe imperial do Brasil hoje?
Dom Luiz – Meu cotidiano é parecido com todos os paulistanos ou todos os brasileiros. Eu me levanto de manhã, faço as minhas orações, tomo café e depois tenho o meu trabalho [como chefe da Casa Imperial]. Tenho bastante correspondência [para ler e responder] e muitos contatos com os monarquistas de todo o Brasil. Recebo visitas de monarquistas de todo o Brasil e participo de congressos monárquicos bianuais. Também procuro atuar no campo ideológico e cível na Associação dos Fundadores –grupo dissidente da TFP (Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade), uma entidade católica–, que procura pôr uma barreira à investida do esquerdismo e do comunismo aqui no Brasil muitas vezes sob o manto da Teologia da Libertação.

Folha Online – Então o senhor é contra a Teologia da Libertação. Como é esse trabalho?
Dom Luiz – Escrevo artigos para algumas publicações, faço conferências e palestras. O próprio atual papa [Bento 16] quando era cardeal condenou a Teologia da Libertação, como sendo uma infiltração marxista na teologia católica. Ora, o marxismo é uma filosofia completamente atéia e materialista e não se coaduna com a religião católica. Porque o marxismo não vê no homem uma criatura de Deus com corpo e alma, portanto com necessidades materiais e espirituais e que deve dar “glória a Deus” e com isso trazer felicidade sobre a terra.

Folha Online – O senhor vai à missa? Em qual igreja?
Dom Luiz – Vou à missa aos domingos em uma igrejinha particular aqui no bairro.

Folha Online – O senhor é solteiro?
Dom Luiz – Sou solteiro, mas a questão da sucessão está assegurada pelo meu irmão dom Antonio. Meu irmão dom Bertrand é solteiro também. Mas dom Antonio tem quatro filhos –dois varões e duas mulheres– e tenho uma outra irmã casada com dois filhos também. A sucessão está largamente assegurada. Era preciso haver uma catástrofe que matasse todo mundo [para não haver herdeiros ao trono].

Folha Online – O princípio da igualdade de nascimento ainda existe? Ou seja, os príncipes só se casam com princesas –e vice versa– se não eles têm de abrir mão da herança dinástica?
Dom Luiz – Na Casa Imperial do Brasil sim. Pelo seguinte: normalmente todo príncipe é educado não tanto em função de seus próprios interesses mas em função dos interesses de seu país e de seu povo. E os maridos têm de estar de acordo. E se fizer um casamento com uma pessoa que não foi educada desse jeito pode trazer uma série de complicações, erros e uma série de problemas. E para o bem do país, é preciso que eles sejam casados entre famílias principescas.

Folha Online – E foi uma opção do senhor não casar?
Dom Luiz – Foi, para poder me dedicar à causa monárquica no Brasil e os interesses da nação pátria.

Folha Online – Então o que o senhor pensa sobre a forma com que o nosso país está sendo governado?
Dom Luiz – Eu acho que é só abrir os jornais pra ver. [risos] Hoje o jornal que eu leio normalmente tem páginas e páginas sobre a questão dos tais cartões de crédito [do governo federal]. Eu pergunto: Isso é um bom sintoma? Houve escândalos no ano passado um atrás do outro. Eu pergunto: Está certo isso? Nós temos ameaça de um apagão por falta de energia e por falta de investimentos em infra-estrutura. Eu pergunto: Isso é favorável ao Brasil? A república trouxe consigo um perecimento da moralidade pública e política e nós chegamos ao auge hoje em dia.

Folha Online – E qual o futuro que o senhor vê para o Brasil?
Dom Luiz – Eu vejo o Brasil numa situação bem grave hoje em dia mas com recursos ainda –recursos de alma do povo brasileiro e naturais quase inesgotáveis– e com a possibilidade de sair da crise em que se encontra e se tornar realmente um país de primeiro plano no mundo inteiro. Agora, é preciso uma série de reformas e de limpeza em toda a nossa política e nossa vida pública.

Folha Online – Mas o senhor acha que é necessário mudar apenas os personagens ou o sistema político?
Dom Luiz – Eu acho que a monarquia ajudaria enormemente a resolver os problemas. Pelo seguinte: o soberano não é eletivo e, portanto, não está vinculado nem a partidos nem a grupos de interesses e nem a forças econômicas. O seu interesse é o interesse da nação. Por uma razão muito simples: se ele governar bem, quem vai se aproveitar disso é ele mesmo e seus filhos. Se ele governar mal, o castigo cai sobre ele mesmo e seus filhos. Quer dizer, o interesse do soberano e da nação formam um só e não há essa preocupação que há na república da próxima eleição. Isso não existe na monarquia. Mais uma vez eu digo: o interesse do rei e do imperador é uno com o interesse da nação e isso é uma coisa que tem também a capacidade de moralizar toda a política porque ele se torna um exemplo incorrupto e incorruptível para toda a nação. E por via de conseqüência, toda a máquina política a estrutura da nação se torna moralizada. Com isso, os problemas do país se resolvem muito mais facilmente sem que entrem rixas entre partidos políticos ou grupos de interesses. O soberano é um árbitro, é um juiz imparcial que pode ajudar a harmonizar tudo isso.

Folha Online – O senhor acredita que a monarquia possa mesmo voltar ao Brasil?
Dom Luiz – Eu acho que sim e vou lhe dar um exemplo. Houve um plebiscito em 1993 [para a escolha entre a forma –República ou Monarquia Constitucional– e sistema de governo –Presidencialismo ou Parlamentarismo] e nós tivemos 13% dos votos válidos. Entretanto, isso foi realizado em condições muito pouco propícias, porque quando foi proclamada a república o governo provisório disse que convocaria um plebiscito para ver se o povo brasileiro queria continuar com a monarquia ou aceitar a república. E ele esperou 99 anos para realizar isso. E não só isso: estabeleceu nas sucessivas constituições uma cláusula pétrea que rezava que não se podia pôr em causa a forma republicana de governo. Ora, depois de 99 anos começar tendo mais de 10% dos votos válidos é um colosso para qualquer corrente de opinião. É preciso dizer que quando houve a Constituinte de 1988 eu escrevi para os deputados e senadores uma carta mostrando como essa cláusula pétrea era antidemocrática e contrariava os princípios que aqueles parlamentares diziam defender. Eles foram sensíveis a esses argumentos e aboliram a cláusula pétrea. Convocaram o plebiscito, mas não foi feito em igualdade de condições. Primeiro pela falta de tempo para organizar os monarquistas. O Brasil é imenso e meus irmãos e eu percorremos esse país de norte a sul e de leste a oeste. Em segundo lugar, o tempo de preparação [do plebiscito] foi encurtado em vários meses: de 7 setembro para 21 de abril. Em terceiro lugar, os meios de comunicação praticamente só se falava de duas das três opções. Havia três opções: República parlamentar, República presidencialista e Monarquia parlamentar. E só se falava praticamente em República parlamentar e República presidencialista. A forma monárquica de governo foi posta de lado. Não só isso, estava previsto no decreto de convocação do plebiscito que cada corrente tivesse um espaço gratuito [de propaganda] na televisão. Entretanto, meus irmãos e eu não pudemos aproveitar desse espaço.

Folha Online – Por que?
Dom Luiz – Por causa de manobras etc. e a coisa foi… Nós impetramos um mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal e aquilo foi protelado para depois do plebiscito.

Folha Online – Mas teve propaganda dos monarquistas na TV…
Dom Luiz – Sim, teve, mas por correntes que não eram inteiramente de acordo com as nossas idéias e ideais. E foi muito fraca. O fato de o herdeiro do trono e seu sucessor imediato não poderem aparecer foi realmente uma arbitrariedade colossal.

Folha Online – Foi o dom Gastão que apareceu na propaganda?
Dom Luiz – Não, foi um sobrinho dele. Eu não pude aparecer, mesmo sendo chefe da Casa Imperial do Brasil.

Folha Online – Mas se o senhor era o chefe da Casa e herdeiro dinástico por que não pôde defender a monarquia no plebiscito? A família do dom Gastão conseguiu alguma decisão judicial?
Dom Luiz – Não, não [teve decisão judicial]. Ele foi favorecido por certas correntes do parlamento, por alguns políticos.

Folha Online – O senhor acredita que isso prejudicou o plebiscito?
Dom Luiz – Enormemente. E depois uma campanha contra a monarquia tremenda. Corria tudo que era boato: que seria restabelecida a escravidão, como se não fosse a monarquia que aboliu a escravidão. Os maiores absurdos e nós não pudemos interceder. Apesar disso, [tivemos] 13% dos votos válidos e uma coisa que não se sabe é que mais de mais 50% dos votos foram nulos ou em branco. De onde vem isso? O povo brasileiro é esperto, intuitivo, inteligente e percebeu que o jogo estava falsificado então se absteve.

Folha Online – Ainda assim o senhor acredita que a monarquia possa voltar?
Dom Luiz – Acho que sim. Não hoje, mas amanhã, a médio-longo prazo, pode voltar. E eu acho que vai voltar. Por causa da insatisfação do povo, porque há –não só no Brasil, mas no mundo inteiro– uma tendência a voltar às antigas tradições aos antigos modos de ser uma moralidade mais severa. Uma corrente muito forte tanto no Brasil como no exterior. E essa corrente no Brasil pode ser determinante num certo momento. Poderia ser um novo plebiscito, depende muito das circunstâncias. Uma coisa que nós não queremos é um golpe de Estado porque um golpe de Estado sujeita o soberano à facção que o pôs no poder e ele perde sua independência e o carisma próprio da monarquia.

Folha Online – O senhor alguma vez foi consultado pelos governos brasileiros?
Dom Luiz – Não. Normalmente os governos republicanos são ultradiscriminatórios. Eles nunca consultam as casas reais ou imperiais.

Folha Online – Também existe preconceito de achar que as casas imperiais são retrógradas?
Dom Luiz – Pode ser isso também. Mas existe o medo que a opinião pública perceba que há algo diferente no país.

Folha Online – E como ficou a disputa pela herança dinástica com a família de dom Gastão?
Dom Luiz – Praticamente não existe mais dúvida. No Brasil inteiro eu sou reconhecido como chefe da Casa e herdeiro dinástico. Esse é um problema que eu preferia não entrar nele porque são problemas familiares. Hoje em dia está completamente resolvido. Não há dúvida nenhuma em lugar nenhum.