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Dona Maria Carolina, a princesa brasileira que foi vítima do Holocausto

Pouca gente sabe mas uma brasileira, ainda mais uma descendente do imperador Dom Pedro II, morreu nas câmaras de gás que o regime nazista da Alemanha montou para exterminar categorias de pessoas às quais considerou indesejáveis. Tratava-se de Dona Maria Carolina de Saxe-Coburgo-Gota e Bragança, de jure Princesa do Brasil e de Saxe-Coburgo-Gota – de jure significa que embora não fosse princesa na prática já que o Brasil já era república na época ela SERIA princesa se a monarquia nunca tivesse caído, ela era princesa apenas por direito de sucessão hereditária mas não o era na prática.

Da. Maria Carolina era filha do príncipe Dom Augusto Leopoldo (1867–1922) com sua esposa, Carolina da Áustria-Toscana. D. Augusto Leopoldo por sua vez era filho do príncipe alemão Luís Augusto de Saxe-Coburgo-Gota e sua esposa, a princesa do Grão-Pará (título do segundo na linha sucessória brasileira) Dona Leopoldina Teresa de Bragança, filha caçula de D. Pedro II com a sua esposa Da. Teresa Cristina de Bourbon-Duas Sicílias. Assim, Maria Carolina era bisneta de Pedro II. D. Augusto Leopoldo foi até apelidado de “O Príncipe Marinheiro” porque seguiu a carreira militar ingressando na marinha. Por sinal, no 15 de novembro de 1889 ele estava de serviço no meio do Oceano Índico a bordo do cruzador Almirante Barroso.

O príncipe Dom Augusto Leopoldo junto com a esposa e seus 4 filhos mais velhos. Dona Maria Carolina é a menina no colo do pai, em pé estão os mais velhos Dom Augusto e Dona Clementina e nos braços da mãe Dom Rainer.

Com o exílio da família imperial, D. Augusto Leopoldo foi morar em Viena, onde conheceu a esposa, com a qual teve 8 filhos, entre eles Da. Maria Carolina, nascida em 10 de janeiro de 1899, em Pula, hoje na Croácia. Dos 8, 3 (Augusto, Maria Carolina e Leopoldina) nasceram com problemas mentais, provavelmente por razões genéticas relacionadas com a relação entre os pais de Augusto Leopoldo – o irmão mais velho dele, o príncipe Dom Pedro Augusto, também tinha problemas mentais chegando a ser examinado pelo próprio Sigmund Freud. Nunca se notou problemas mentais no outro ramo da família imperial (os Orleães e Bragança, descendentes da princesa Isabel e seu marido Gastão de Orleães) e nas gerações anteriores de Braganças só se notou isso na rainha Da. Maria I de Portugal, bisavó de D. Pedro II.

Dom Augusto Leopoldo junto com a esposa e 7 de seus 8 filhos. Da. Maria Carolina está do lado da mãe, de perfil olhando pra ela por trás da irmã mais nova Dona Leopoldina (também olhando pra mãe).

Dom Augusto Leopoldo e a família depois se mudaram para o castelo de Gerasdorf (há 16 km de Viena) e depois para Schladming (há 345 km) em 1918. O decreto que determinava o banimento da família imperial foi revogado pelo presidente Epitácio Pessoa em 1920 e por isso D. Augusto pensou em voltar pro Brasil em 1922, ano do centenário da independência, mas acabou não vindo porque adoeceu e morreu em outubro do mesmo ano. Em 1938, ocorre o Anschluss (anexação da Áustria pela Alemanha nazista) e a já viúva Da. Carolina resolve se mudar para Budapeste, na Hungria, para junto do filho D. Felipe.

Dom Augusto Leopoldo e as suas 4 filhas: Dona Maria Carolina (sentada à esquerda do pai apoiando a cabeça no ombro de Clementina), Dona Teresa Cristina (em pé com o pai), Dona Leopoldina (sentada à direita do pai) e Dona Clementina (sentada à esquerda do pai e dando o ombro pra Maria Carolina).

Na época, Da. Maria Carolina vivia internada no hospital psiquiátrico de Schladming. Na Alemanha nazi, as famílias de pessoas com problemas mentais eram pressionados a internar os filhos em hospitais psiquiátricos para que o estado alemão não tomasse a guarda deles. Os judeus não eram os únicos que os nazistas queriam eliminar, deficientes também, eles também queriam livrar a raça ariana desse tipo de pessoa. Os hospitais psiquiátricos buscavam passar para as famílias dos pacientes uma imagem de instituições sérias e respeitáveis mas na verdade colaboravam com o problema de eugenia do partido nazi, os pacientes que fossem considerados incuráveis eram executados.

Castelo de Hartheim

Em 6 de junho de 1941, soldados das SS entraram no hospital de Schladming e levaram os pacientes (entre eles Maria Carolina) para o castelo de Hartheim em veículos que ganharam o apelido de “ônibus da morte”. O castelo de Hartheim, apelidado de “o castelo da morte”, era um centro de extermínio (um dos únicos 6 já em atividade na época, depois abriram outros) destinado a eliminar pessoas deficientes. Lá morreram mais de 18 mil pessoas, executava-se em média 40 pessoas por dia em Hartheim. Naquele mesmo 06/06/1941 às 15h40, Da. Maria Carolina, pensando que estava indo para um banho normal, entrou nua numa câmara de gás disfarçada de banheiro no qual ao invés de água saía do chuveiro gás letal (às vezes monóxido de carbono, às vezes cianeto de hidrogênio)…

As “condolências” enviadas ao príncipe Dom Ernesto. Note um “Heil Hitler!” no finzinho.

Após a execução, o corpo foi incinerado num crematório que tinha no castelo. Ela tinha 42 anos na época. No mesmo dia, o seu irmão mais novo Dom Ernesto recebeu uma carta de condolências avisando sobre a morte da irmã, mas a carta não dizia a causa da morte – ao avisar a família, eles normalmente inventavam a desculpa de que a pessoa tinha morrido de pneumonia ou tuberculose pra não dizer que a tinham executado. Em 12 de novembro de 2021, uma Stolpersteine (literalmente “pedra de tropeço” em alemão) foi colocada na entrada do castelo de Schladming (onde os Saxe-Coburgo e Bragança moravam), lugar onde hoje funciona a prefeitura da cidade.

Essa é a Stolpersteine de Da. Maria Carolina, localizada na frente do castelo de Schladming. Nela, está escrito em alemão “Aqui morou Maria Carolina, Princesa de Saxe-Coburgo-Gota, nascida em 1899, admitida no hospital psiquiátrico de Schladming em 13/09/1938, passou antes pelo hospital estadual de Salzburgo e pelo asilo de idosos de Niederhart, foi assassinada em 06/06/1941 no centro de extermínio de Hartheim – ‘Aktion T4′” (tradução minha). Aktion T4 foi o termo usado nos julgamentos de Nuremberg para se referir aos programas de eugenia e extermínio de deficientes do terceiro Reich.

As Stolpersteine são pequenos monumentozinhos na forma de uma placa, normalmente de bronze, sobre um bloco de concreto nos quais são gravados os nomes de pessoas que morreram vítimas do Holocausto com o intuito de homenageá-las e impedir que seus nomes sejam esquecidos. Atualmente há mais de 100 mil dessas já instaladas. O pessoal do projeto das Stolpersteine normalmente coloca a placa na calçada à frente do último endereço conhecido da pessoa – no caso da Da. Maria Carolina, colocaram no castelo de Schladming. Em 19 de janeiro de 2023, foi inaugurado no Rio de Janeiro um memorial às vítimas do Holocausto e uma das pessoas homenageadas lá é a princesa Maria Carolina.

Castelo de Schladming

História do Brasil – Postado por Silas E. Cardoso