Revista de História da Biblioteca Nacional

1808, antes e depois… – Clássicos
Algumas obras de referência sobre o período joanino

A República ainda guardava suas turras com a monarquia quando, em 1908, no centenário da chegada da Corte portuguesa ao Rio de Janeiro, o historiador e diplomata pernambucano Manuel de Oliveira Lima (1867-1928) publicou pela primeira vez D. João VI no Brasil (4ª edição, Topbooks, 2006, R$ 69,00). Considerado um clássico da historiografia brasileira, o livro completa agora cem anos de sua primeira edição e permanece como o mais importante estudo sobre o período joanino. Empenhado em desfazer a imagem de um rei bonachão e desleixado, Lima revelou um monarca complexo, marcado por uma personalidade indecisa, mas sensível aos seus deveres políticos de estadista. Consultando uma copiosa documentação diplomática, descobriu que os planos de transferir a família real para o Brasil eram anteriores a 1807 e empurrou para escanteio a imagem caricata de “fuga”, defendendo a originalidade da decisão portuguesa. Com uma narrativa envolvente, a obra por vezes parece um longo romance, ambientado em um Rio de Janeiro cheio de vida, com dias ensolarados, colorido pelos festejos e pela alegria ruidosa dos seus habitantes. Os personagens também ganharam contornos mais humanos: a rainha Carlota Joaquina, grande vilã do livro, vivia a tramar contra o bondoso D. João. Ministros e funcionários régios, todos têm seus segredos e interesses políticos revelados, em um momento extramente tenso da história do Brasil e de Portugal.

Outra referência obrigatória para quem estuda o período é o trabalho da historiadora Maria Odila Leite da Silva Dias “A interiorização da metrópole”. Publicado pela primeira vez em 1972, no livro 1822: Dimensões, organizado por Carlos Guilherme Mota, ganhou recentemente o formato de livro com o título A interiorização da metrópole e outros estudos (Alameda, 2005, R$ 32,00). Rompendo com as interpretações historiográficas correntes, que defendiam uma relação dicotômica entre os interesses das elites de Portugal e do Brasil, Maria Odila demonstra que a partir de 1808 ocorreu um enraizamento de interesses portugueses associados aos dos nativos da colônia. Tomando de empréstimo a noção de herança colonial, elaborada por Sérgio Buarque de Holanda, mostra que a elite colonial já estava comprometida com a “tarefa de reforma e construção” de um novo Estado português, concretizado no Rio de Janeiro. O estudo abriu caminho para teses importantes, especialmente de História Econômica, como As tropas da moderação: o abastecimento da Corte na formação política do Brasil (1808-1842), de Alcir Lenharo (1979).

Do baú da coleção Brasiliana destacam-se dois clássicos: A Corte de Portugal no Brasil (Companhia Editora Nacional, 1938), de Luís Norton, e Cultura e Sociedade no Rio de Janeiro (1808-1821), de Maria Beatriz Nizza da Silva (Companhia Editora Nacional, 1977). À sombra das tramas diplomáticas européias, o livro do diplomata e poeta português, publicado em 1938, reconstrói o cotidiano da família real, dos arranjos para a transferência, em 1808, até a renúncia de D. Pedro I em 1831. Tirando do cenário político a figura de D. João, Norton destaca a atuação da princesa austríaca Leopoldina, que em 1817 casou com o príncipe D. Pedro e veio viver no Rio de Janeiro. A Leopoldina são dedicados quatro capítulos do livro, atribuindo à futura imperatriz do Brasil um papel central no processo de Independência (1822). Imbróglios diplomáticos e políticos à parte, o livro da historiadora portuguesa Maria Beatriz Nizza da Silva revela os hábitos e as formas de sociabilidade das famílias brasileiras, nos anos de permanência de D. João no Brasil. Ao ser lançado, em 1977, inovou ao tratar de um domínio novo no campo das ciências humanas, o da História Cultural. Flertando com a antropologia e com a sociologia, a autora vasculhou descrições de viajantes e anúncios publicados no jornal a Gazeta do Rio de Janeiro, em busca de pistas sobre os domicílios, o mobiliário, os trajes e os hábitos alimentares da sociedade do Rio de Janeiro. Descobriu – o que na época era ainda inédito – que os costumes europeus só começaram a se impor aos habitantes dos trópicos após 1816, e, apenas aos nobres da terra. Para a maior parte da população, a presença da Corte no Brasil, não alterou os afazeres do dia-a-dia, ou a “cultura implícita”, como denominou a autora. O Rio de Janeiro transformado em sede do governo português também foi objeto de análise. Maria Beatriz Nizza trata de uma “cultura explícita”, presente no agito provocado pelas peças teatrais, ou mesmo, pela restrita circulação de livros, como os manuais para a educação de moças e rapazes, romances, contos e novelas. Novidades que permitiram aos colonos respirar os ares de uma cultura européia e ao Brasil ingressar no rol das nações “civilizadas” do século XIX. (Nívia Pombo)

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