Golpe militar de 1889 – Proclamação da República

Todo ano, no dia 15 (quinze) de novembro “comemoramos” o golpe militar de 1889, conhecido pelos simpatizantes como “Proclamação da República”. Aprendemos que, naquela ocasião, após a guerra do Paraguai, os brasileiros que lá estiveram em campanha, deslumbraram-se com a forma de governo republicano vigente naquele país, por ser mais moderno, democrático e decidiram implantá-lo também no Brasil, único país monárquico das Américas.
Pois bem. Ainda que aceitemos como verdadeira a ideia de que o vencedor tenha querido imitar o, por ele, vencido e que foi preciso uma guerra para conhecermos detalhes da forma de governo de um país que sempre nos fora vizinho, é bom que tenhamos por respondida algumas perguntas:
Em que o regime republicano paraguaio era diferente do regime monárquico brasileiro?
– De acordo com a constituição de 1824 o governo brasileiro era uma monarquia constitucional o que significava que:
  • O governo era exercido pelo presidente do conselho de ministros, indicado pelo parlamento cujos membros eram eleitos democraticamente.
  • Mesmo os analfabetos podiam votar desde que atendida a condição censitária.
  • O imperador tinha poder limitado, já que representava a nação e assegurava a harmonia entre os demais poderes mas quem administrava o país era o presidente do conselho de ministros, chefe delegado do poder executivo enquanto o poder legislativo ficava a cargo do parlamento.
  • Os membros da família imperial não podiam ocupar cargo no governo nem por ele serem remunerados.
  • O serviço militar era voluntário.
– O Paraguai vivia uma ditadura sob Solano Lopez que forçou o congresso a alegê-lo, em 1862, chefe de governo e de estado do Paraguai por um mandato de 10 anos. Sob seu governo:
  • O Presidente era dono de quase todas as terras paraguaias e, consequentemente da base da economia do país à época (madeira e chá-mate).
  • O presidente era o lider máximo do país, sendo chamado pelo povo por “El Supremo”.
  • A escravidão era sistemática e o povo trabalhava para o governo, nas terras do governo, que era detentor dos lucros, devendo ainda pagar impostos sobre a produção.
  • Não houveram eleições durante o governo de Solano Lopes.
  • A maior parte da receita do estado era gasta para comprar armementos franceses, contratar generais alemães e técnicos inglêses para formar um poderoso exército, afim de invadir o sul do Brasil, leste da Argentina e o Uruguai.
  • O povo era obrigado a se alistar no exército, chegando ao ponto de recrutar mulheres e crianças para defender Solano Lopes, ao fim da guerra.
Por que o Brasil era o único país monárquico das Américas?
– O Brasil nunca foi o único país monárquico das Américas. À época do golpe de 1889, existiam ou haviam existido no continente americano as seguintes monarquias:
  • Em 1641, o tratado de Killen, entre a Espanha e os índios da nação Mapuche dava a autoridade sobre sobre suas terras ao lider da Mapuche, formando o Reino da Patagônia e Araucânia. Entretanto, com suas terras ocupadas pela Argentina e pelo Chile, o tratado nunca foi cumprido e o reino, vive um governo de exílio em Paris, até hoje, sob o príncipe Felipe.
  • O Haiti, primeiro país do mundo a abolir a escravidão, em 1794, tornou-se o segundo país americano independente em 1804, tendo o ex-escravo Jean Jacques Dessalines como imperador. Manteve o regime monárquico por 55 anos quando era imperador o também ex-escravo Faustin I, que dissolvera a aristocracia branca, criara uma nobreza negra e foi derrubado após tentativa de conquistar a República Dominicana.
  • O México tornou-se independente em 1821 após sucessivas vitórias do exército comandado por Augustin de Iturbide que em 1822 tornou-se o imperador Augustin I. Após um período de instabilidades, e sucessivas trocas de governo e de regime, a monarquia foi restaurada sob Maximiliano I mas este, por ser de tendência liberal, foi preso, julgado e executado pela maioria conservadora do país em 1867.
  • O Canadá já era um domínio autônomo inglês desde 1867, tendo como soberano e chefe de estado o Monarca da Gran-Bretanha. Em 1931, o Estatuto de Westminster reconheceu a independência do Canadá, que manteve o regime monárquico sob a coroa britânica e é hoje um dos mais prósperos países do mundo.
Como se deu o golpe militar de 1889?
– Os conservadores, representantes da aristocracia cafeeira, eram maioria no parlamento brasileiro e, passaram a defender o fim da monarquia pelo graças ao descontentamento com as seguintes medidas da família imperial:
  • Abolição da escravatura através da Lei Áurea, sancionada pela Princesa Isabel;
  • Proposta de reforma agrária com o assentamento dos escravos libertos em terras devolutas pelo imperador Dom Pedro II, conforme a última Fala do Trono;
  • Intenção de profissionalizar e indenizar os escravos libertos promovendo sua inserção social;
  • Recusa da indenização pedida pelos ex-donos de escravos que alegavam terem sido prejudicados pela Lei Áurea.
Em contra-partida, o conselho de ministros era presidido por um liberal, o Visconde de Ouro Preto, que elaborou em meados de 1889 um programa de reformas, que incluía:
  • Liberdade de culto público, já que o culto doméstico e a opção religiosa já eram livres;
  • Autonomia para as províncias;
  • Temporariedade do Senado, já que os mandatos dos senadores eram vitalícios;
  • Liberdade de ensino;
  • Redução das prerrogativas do Conselho de Estado;
  • Redução do efetivo das forças armadas;
  • Reorganização das polícias e da guarda nacional; entre outras medidas.
As propostas de Ouro Preto foram vetadas pela maioria conservadora que constituía a Câmara dos Deputados. Não obstante, um golpe militar começou a ser tramado para depô-lo, motivado pelos seguintes motivos:
  • A revolta dos fazendeiros de café, antes proprietários dos escravos libertos pela Lei Áurea que exigiam indenização;
  • A insatisfação da maioria conservadora diante do pacote de reformas liberais proposto por Ouro Preto;
  • O descontentamento com a elite militar diante da proposta de diminuir o efetivo das forças armadas em detrimento do aperfeiçoamento das polícias;
  • O medo da Guarda Negra que se formara a partir de escravos libertos e defendiam com grande entusiasmo a monarquia e a família imperial, especialmente a Princesa Isabel.

Então, os conspiradores espalharam a falsa notícia de que Ouro Preto pretendia prender o marechal Deodoro da Fonseca e Benjamim Constant e estes organizaram uma “quartelada”.
No dia 15 de novembro de 1889, um pequeno grupo de soldados, comandados por Deodoro da Fonseca, tomaram o quartel, depois o ministério da guerra e depuseram o ministério e seu presidente, o visconde de Ouro Preto.
Deodoro e Floriano Peixoto pretendiam a composição de um novo ministério, já que eram leais ao imperador, mas os republicanos escravocratas passaram a tentar convencê-los a proclamar a república.
Aos 17 dias do mês de novembro a família imperial era expulsa do país para cumprir seu exílio na Europa. O embarque se deu por volta de 1 (uma) hora da madrugada, sob a alegação de que pretendiam evitar qualquer manifestação de apoio popular ao imperador Dom Pedro II, já que este e principalmente a princesa Isabel, gozavam de grande prestígio popular. Fato é que a população ficou, por muito tempo, sem saber que seu imperador não estava mais entre ela e sequer tinham conhecimento do novo governo implantado.
As primeiras medidas do governo de Deodoro foram:
  • Extinguir a religião católica como oficial do estado;
  • Abandonar o projeto de assentamento e profissionalização dos escravos libertos;
  • Instituição da censura à imprensa;
  • Reajustar seu próprio salário em 120 contos de réis e dobrar o dos ministros;
  • Conceder direito de expropriação para empresas estrangeiras realizarem empreendimentos em território nacional;

À medida em que o povo foi tomando conhecimento do acontecido, movimentos pela volta da família imperial começaram a eclodir por todo o Brasil. O governo republicano os destroçou com punho de ferro. Somente nas guerras de Canudos e do Contestado, ambas reivindicantes do retorno à monarquia, mais de meio milhões de pessoas foram massacrados pelas tropas do governo republicano. E é este o regime de governo que se estende até os dias de hoje.
(Artigo publicado originalmente no blog do secretário-geral do CMJ – Nelmar Nepomuceno)